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Um plantador de flores e de amores

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José Alberto Mujica. Dom Pepe ou, Mujica. Filho de um pequeno agricultor da região de Montevidéu, capital do Uruguai. Ser agricultor foi à profissão que Mujica escolheu para a vida toda. Segundo ele declara, vai morrer plantando no pequeno sítio em que vive hoje, com sua esposa, a cerca de 20 quilômetros de Montevidéu. Distância que percorria, todos os dias, quando foi presidente do Uruguai (2010-2015), em seu Fusca azul, modelo 1982, O que poucos sabem é que esse agricultor é um plantador de flores.

No Uruguai se chama florista. Pois esse florista, quando jovem, pegou em armas para defender suas ideias e, em sua opinião, a democracia. Pepe Mujica fez parte do movimento guerrilheiro Tupamaro (1964-1972). Esse movimento foi fundado pelo advogado e guerrilheiro Raul Sendic. O nome Tupamaro homenageia um cacique peruano de nome Tupac Amaru III, que liderou a resistência contra a colonização pelos espanhóis no século XVIII. Os invasores espanhóis chamavam, pejorativamente, de tupamaro os seguidores do chefe indígena. Essa atuação clandestina custou caro a Mujica. Foram nada menos que 12 anos de prisão sob tortura e um isolamento capaz de enlouquecer boa parte daqueles(as) que por esse martírio passou.

Um filme intitulado Uma Noite de 12 Anos, de Alvaro Brechner, conta a história da rotina dos prisioneiros. Um desses locais de isolamento e tortura é, hoje, o Shopping Center Punta Carretas. Centro de compras mais badalado da capital uruguaia. Do que foi o antigo presídio foram mantidas as estruturas de fachada. Nesse centro de terror existiam os temíveis "poços" que eram torres onde os presos ficavam totalmente isolados uns dos outros. Raramente podiam ver a luz do dia, salvo, quando eram levados para as salas de tortura pelos militares uruguaios. E eram ferozes os torturadores uruguaios. Mujica ficou 15 anos preso, desses, 12 ininterruptos, sob tortura num desses "poços".

Paradoxalmente, existe uma lenda de que "El pueblo uruguayo es un pueblo tranquilo". Essa impressão de tranquilidade é sentida quando se anda pelas praças da capital. São muitas e aconchegantes, locais de encontro para saborear o mate, costume típico do pequeno país legado dos índios charruas. Ou quando se passeia pela Rambla ao final de tarde; ou no aconchego das cafeterias - que são muitas. Algumas lendárias como as frequentadas pelo líder comunista brasileiro Luiz Carlos Prestes (1898-1990) e Olga Benário, militante comunista alemã de origem judia, que foi entregue ao governo nazista de Adolf Hitler pelo ditador Getúlio Vargas (1882-1954). Olga foi executada (23/04/1942), com 34 anos de idade numa câmara de gás com outras 199 mulheres prisioneiras do nazismo.

Tem o Café Brasileiro, ponto cativo do escritor Eduardo Galleano (1940-2015) que todas as tardes lá podia ser encontrado, às exatas 15h, tomando seu café. Pois esse florista que pegou em armas contra a ditadura, confessa que não guarda arrependimentos nem alimenta ódios.

Na presidência do Uruguai promoveu mudanças constitucionais como a regulamentação do uso recreativo da maconha e sua venda em farmácias; o casamento entre pessoas do mesmo gênero e a aprovação do aborto com assistência à saúde das mulheres pelo Estado. Após deixar a presidência se elegeu senador, cargo ao qual renunciou em (20/10/2020) por questões de saúde. Em tempos tão sombrios e de discurso de ódio, a vida desse plantador de flores latino-americano é uma demonstração de que não há que perder a esperança na democracia, na liberdade, na justiça, enfim em um mundo onde se possa viver orientado pelo amor e pela generosidade. Seu discurso de renúncia é um libelo à democracia e a uma cultura de paz. Para Mujica, "O ódio é fogo como o amor, mas o amor cria e o ódio nos destrói". Cabe a cada um de nós escolhermos o que plantar. Ódio ou amor.

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